PERFIL EPIDEMIOLÓGICO PSIQUIÁTRICOS DOS MOTORISTAS DE ÔNIBUS URBANOS ATENDIDOS NO SERVIÇO DE SAÚDE OCUPACIONAL (SSO) DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE SÃO PAULO
Projeto apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública - USP
Área de Concentração: Saúde Ambiental - Orientadora: Prof. Dra. Lys Esther Rocha - São Paulo 2012
Verifica-se que os sistemas urbanos de transporte coletivo estão em crise em todos os grandes centros urbanos do país. Isso se observa pelos altos níveis de congestionamento, aumento da poluição atmosférica, longas filas de espera nos pontos de ônibus, insegurança por parte dos motoristas e usuários, o que representa viagens tensas para todos.
Observa-se também, que com o aumento de carros particulares e de “lotações” em circulação, somando-se a isto a deterioração das vias públicas, há uma ampliação do tempo de percurso e aumento do desconforto imposto a usuários e motoristas.
Entre os profissionais que trabalham diariamente nas vias públicas encontram-se os motoristas de ônibus urbanos. Estes estão submetidos às normas da empresa contratante de forma peculiar, pois permanecem durante a maior parte da jornada de trabalho fora dos limites convencionais de uma empresa. Esse aspecto geralmente implica em atribuição de normas rígidas de fiscalização no que diz respeito ao cumprimento de horários, cuidados com o veículo (são responsáveis por qualquer dano ao mesmo), diversidade dos comportamentos dos passageiros (pressão psíquica), além da responsabilidade que têm sobre a vida das pessoas que conduzem durante horas diárias (Battiston; Cruz; Hoffmann, 2006).
As condições de saúde e de trabalho de motoristas de transporte coletivo urbano podem ser consideradas um importante fator de dimensionamento da qualidade de vida dos centros urbanos, visto que diferentes fatores ambientais e de interação social contribuem para o aumento do estresse, dentre eles o trânsito (Battiston; Cruz; Hoffmann, 2006).
Os motoristas de ônibus constituem uma classe profissional importante, principalmente nas sociedades mais urbanizadas, não só pelo fato de formarem um grupo numeroso de trabalhadores que estão expostos a condições específicas de trabalho, sujeitos a fatores adversos e estressantes que os tornam mais expostos às doenças ocupacionais, mas também, pela responsabilidade coletiva de sua atividade, o transporte cotidiano de passageiros (Deus, 2005).
Fatores como condições gerais de vida (alimentação, moradia, lazer, etc.), condições gerais de trabalho (duração da jornada, assistência médica, ruído, vibração, poluentes químicos, cargas psíquicas e outros) determinam situações diversas na vida destes profissionais, podendo gerar diferentes agravos à saúde.
Segundo Santos Júnior (2003), vários autores referem que a manutenção da postura sentada por longos períodos, associada ao estresse decorrente das condições do trânsito, da poluição e do contato direto com o público, além dos riscos físicos (ruído, vibração, calor), podem desencadear várias doenças ocupacionais no motorista de ônibus urbano.
De maneira geral, o trabalho destes profissionais consiste em levar e trazer pessoas de destinos predeterminados. Seu local trabalho é o ônibus que trafega pelas ruas da cidade, sob condições adversas do trânsito e clima, além das suas condições de trabalho dentro do veículo. Assim, verifica-se que este profissional tem várias exigências, além de pressões externas e internas ao seu ambiente laboral.
Por pressões externas identificam-se as exigências do trânsito em todo o seu conteúdo, como a legislação, o congestionamento, o clima, acidentes, o estado de conservação das vias públicas, normas da empresa (horário de trabalho, tempo de percurso, conservação do veículo, fiscalização), poluição sonora, altas temperaturas, exposição a poluentes atmosféricos, e outros. As pressões internas são referentes às condições ergonômicas do posto de trabalho, a inter-relação com os usuários, tais como reclamações, discussões, assaltos dentro do veículo, responsabilidade sobre as vidas dos usuários, entre outros.
O trabalho dos motoristas de ônibus urbanos no Brasil é caracterizado por ser rotineiro, apresentar condições de trabalho inadequadas, entre estas jornadas excessivas, noites mal dormidas, hábitos alimentares inadequados e violência urbana (SEST, 2001).
Um estudo realizado por Sato, na cidade de São Paulo, analisou a penosidade na realização do trabalho dos motoristas de ônibus urbanos, neste foram encontrados várias situações específicas que determinavam um trabalho penoso para estes profissionais (Sato, 1991).
A partir de uma revisão da literatura produzida em 15 anos, Santos Júnior (2003) verificou que vários estudos, brasileiros e estrangeiros demonstraram que os motoristas de ônibus apresentam um adoecer e morrer diferente da população geral.
Os distúrbios psíquicos também são frequentes nesta população. Destacam-se quadros depressivos, distúrbios de ansiedade, psicossomáticos e o uso de substâncias psicoativas. Existem estudos desde a década de 1950 sobre a incidência aumentada de afastamentos do trabalho por desordens funcionais nervosas e doenças psicossomáticas no Reino Unido. Outro estudo, realizado em Nova York, evidenciou que motoristas de ônibus urbanos morriam mais por doenças mentais quando comparados a outros motoristas urbanos. Em 1990, pesquisa na cidade se São Paulo identificou prevalência de 13% de distúrbios psiquiátricos menores em uma amostra desta população (Segatto; Souza e Silva; Laranjeira; Pinsk, 2008).
Justificativa: Observa-se que no Brasil existem poucos estudos sobre a situação de trabalho dos motoristas e pouco se sabe sobre uma possível influência de fatores estressantes (trânsito urbano, violência, etc.) e da situação de trabalho no comportamento e na saúde mental desses profissionais. Pelo fato de ser médico psiquiatra do Serviço de Saúde Ocupacional (SSO) do Instituto Central do Hospital das Clínicas da FMSUP e ter verificado, através das consultas médicas, a morbidade referida pelos motoristas de ônibus urbanos atendidos no ambulatório, resolvi estudar o perfil de saúde mental destes trabalhadores com o intuito de propor, em conjunto com outros profissionais do SSO, ações para a melhoria das suas condições de trabalho.
Objetivos Gerais:
- Traçar um perfil epidemiológico de Saúde Mental dos motoristas de ônibus urbanos que foram encaminhados para o atendimento médico no Serviço de Saúde Ocupacional HCFMUSP;
- Identificar os fatores associados às patologias relacionadas ao trabalho;
Objetivos Específicos:
- Quantificar o nível de ansiedade e de sintomas depressivos;
- Traçar um perfil de uso de álcool e drogas nesta população.
- Identificar os fatores psicossociais de risco associados ao trabalho;
Hipótese: Será testada neste estudo a seguinte hipótese: Ao trabalho dos motoristas de ônibus urbanos estão associadas repercussões sobre a saúde mental destes profissionais. Para tanto se formulam as seguintes questões:
- Qual a prevalência de alterações de humor, ansiedade e uso de álcool e drogas nos motoristas de ônibus urbanos atendidos no Ambulatório do Serviço de Saúde Ocupacional do HC-FMUSP?
- Que fatores da situação de trabalho estão associados às repercussões na saúde mental dos motoristas de ônibus urbanos?
Aspectos éticos: O projeto de pesquisa, incluindo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi submetido à Comissão para Análise de Projetos de Pesquisa - CAPPesq da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas da FMUSP, sendo aprovado em 13/10/2010 sob o protocolo de pesquisa n° 0584/10. Posteriormente foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa – COEP da Faculdade de Saúde Pública da USP, sendo aprovado em 18/11/2011 sob o protocolo de pesquisa n° 2299.
MÉTODOS:
Tipo de estudo: Será realizado um estudo epidemiológico observacional transversal.
População do estudo: A população do estudo será de profissionais motoristas de ônibus urbanos provenientes da região metropolitana de São Paulo, que foram encaminhados para atendimento médico no Serviço de Saúde Ocupacional do Hospital das Clínicas de São Paulo, no período de outubro de 2010 a setembro de 2013. A amostra será de conveniência e foi estimada em 144 motoristas com base em uma prevalência de transtornos mentais estimada em 40% nesta população, nível de confiança de 95% e erro de delineamento máximo permitido de 8%.
Critérios para inclusão na pesquisa: Os trabalhadores inicialmente passarão por uma triagem ocupacional; deverão ter desenvolvido a atividade profissional por, no mínimo, 01 ano anterior à data da triagem; a faixa etária deverá ser de 20 a 60 anos; serão incluídos trabalhadores de ambos os sexos; os trabalhadores com diagnósticos de transtornos delirantes, transtornos mentais orgânicos e transtornos de desenvolvimento confirmados, através de consulta médica no Serviço de Saúde Ocupacional, serão excluídos do estudo; o trabalhador participará da pesquisa após ler e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido.
Coleta dos dados: Serão coletados dados do prontuário, obtidos através das consultas médicas realizadas pelo Médico do Trabalho e pelo Psiquiatra. Serão utilizados questionários autoaplicáveis e aplicados pelos estagiários do setor de psicologia do serviço específicos na ocasião da triagem ocupacional e matrícula do paciente. Os dados que serão obtidos através da consulta médica e dos questionários referem-se às características sóciodemográficas, atividades profissionais, condições de trabalho, qualidade de vida, padrão de sono, utilização de álcool, drogas e outras substâncias, sintomas de ansiedade e depressão, organização do trabalho/fatores psicossociais, exames realizados e diagnóstico médico. Os questionários que serão utilizados neste estudo foram validados no Brasil: Identificação de distúrbio de uso de álcool - AUDIT ( Babor et al., 1992); Inventário de depressão de Beck - BDI (Beck; et al., 1988); Inventário de ansiedade de Beck - BAI (Beck; Steer; Garbin, 1988); Questionário da Organização Mundial da Saúde para triagem do uso de álcool, tabaco e outras substâncias - ASSIST (Henrique et al., 2004); Questionário “Job Stress Scale” - JSS (Alves et al., 2004); Questionário “Effort-Reward Imbalance” – ERI (Chor et al., 2008); Questionário sociodemográfico com informações demográficas, sociais, de hábitos e estilo de vida, do histórico ocupacional e da condição de trabalho atual.
Variáveis: Serão estudas as seguintes variáveis dependentes: nível de ansiedade, sintomas depressivos, uso de substâncias psicoativas (tabaco, álcool, maconha, cocaína, estimulantes, sedativos, inalantes, alucinógenos, e opiáceos). As variáveis dependentes serão ainda consideradas variáveis independentes para cada uma das demais variáveis estudadas. Serão também variáveis independentes: idade, grau de instrução, estado civil, tempo na atividade, turno de trabalho, horas extras, acidentes, demanda, controle, esforço, recompensa e comprometimento excessivo.
Análise dos dados: Após a fase de coleta, os dados serão submetidos à análise estatística utilizando-se o programa SPSS para Windows. Será realizada análise descritiva dos dados sociodemográficos, de fatores da situação de trabalho e de prevalência dos sintomas ansiosos, depressivos e do uso de álcool e drogas na população estudada. Posteriormente será realizada análise bivariada, para as variáveis independentes, com cálculo das prevalências dos sintomas ansiosos, depressivos e do uso de álcool e drogas, intervalo de confiança (IC) de 95% e medidas de associação com cálculo das razões de chances (odds ratio), em busca de associações que apresentem p≤0,05. Serão utilizados os testes de qui quadrado de Pearson ou tendência linear, conforme o caso (tipo de variável). Para as variáveis que apresentem associações onde o p≤0,20 será realizada análise multivariada utilizando-se regressão logística ou regressão linear múltipla, conforme o caso.